terça-feira, janeiro 23, 2007

Praga sentida

Diz a teoria do caos que o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode gerar um ciclone na Austrália. Verdade ou nao, custa-me a crer que o mau tempo que por cá se abateu nao tenha qualquer relacao de causalidade com o furacao de ideias e confusoes de sangue esmurrando as veias de que sou feito. Ou, para ser mais franco, que nao seja verdade a mesma causalidade, invertendo-se antes efeito e causa...

Praga hoje nao é bela e intemporal. É um muro nublado de surpresas e desilusoes, é um colete de forcas que nos deixa livres mas tolhidos, um bálsamo hipnotizante que submerge em nós porque se disfarca debaixo das unhas, um mundo de sombras e factos incompreensíveis, uma soma de erros, tantas vezes os mesmos, a inexorável certeza de uma culpa que se revě nos que se seguem, um poema sabido, vazio agora no sentido e na melodia, uma adicao de remorsos, agruras e horas por dormir...

Praga é aqui mas podia ser em qualquer lado, o rio corre para o mesmo oeste de sempre mas se corresse para o outro pouco mudava. A gente continua antipática na sua peculiar condicao, mas se se insurgissem em sorrisos nao se estranhava. Faz frio, mas lě-se por todo o lado a ausěncia de registo outrora nas histórias milenares, de um Inverno de quenturas tais...

Praga é uma máquina oleada e os eléctricos acertam, incomodamente, sempre no trilho. Sai-se no sítio exacto á hora equacionada, como se previra. Em benefício da produtividade.

Praga é monumental e limpa, mas hoje vivo fixado nos ciscos e gravetos no chao dos bairros pobres, no aroma alcoólico dos pedintes, na qualidade organica das esparsas matérias fecais. Porque da ponte Carlos surge incessante a questao do que se passará para lá da colina de Petřin, das fortalezas de Višehrad...

Aqui agora, sabe melhor contrariar que anuir, lutar pela factualidade do subjectivo que pelo consentimento de critérios vários. Sabe melhor juntar um nao ao sim, que dizer sim, nao ou talvez, em conjunto. Praga, hoje é assim, o paraíso do contraditório e dos furacoes...

"Viajar é o paraíso dos tolos. Devemos às nossas primeiras jornadas a descoberta de que o lugar não significa nada. (...) Faço as malas, abraço os amigos, tomo um vapor e, finalmente, acordo em Nápoles e lá, diante de mim, está o facto insubornável, o triste eu, implacável, idêntico, de que fugi. (...) O meu gigante acompanha-me por onde vou."