sexta-feira, maio 07, 2010

Se é queimadura passadiça, vulgo sol de pouca dura, ou algo de mais e maior por vir, não sei, a verdade bem contada é que hoje neste fim de tarde ameno ressurgiu a vontade imperiosa de jorrar nas palavras que ocorrerem o sentimento geral e as conclusões sumárias retiradas dos últimos quatro meses. O mais certo é o presente ser um exercício de monge anacorético de mim para eu-próprio que já bem longe vão os tempos áureos deste blogue, e volvidos meses de solidão e desuso poucos serão os que se lembram que mora na blogosfera um oásis disponível para gente louca. Sem descrições queirosianas que o meu registo sempre foi o impressionismo, de Lisboa pode dizer-se que é uma festa, mas uma festa requintada, sem excessos nem inflexões, antes um areal contínuo de sol, de gente jovem e airosa que hoje não é dia de olhar para as sombras por detrás do paredão. Tem sido bom o recente sentido de descoberta, Lisboa é bonita, é mesmo muito muito bonita e eu tenho feito por que o meu caminho seja também ladeado por grandes cenários.

Agora, se o assunto que se quer versar é trabalho, o velho do restelo que me habita na tônsila esquerda resolve dar de si e harpejar as cordas vocais em jeito de aviso à navegação: o mundo profissional é um mundo paralelo, onde o regime alimentar estabelecido é o canibalismo ("big fish eat the little ones") e cabe a cada um de nós, de modo cauteloso, descobrir as excepções de trato simples e disponibilidade para a ajuda. Vindo directamente do caldeirão (ultimamente mais morno e destemperado, é verdade) de hormonas e euforia que é a vida académica coimbrã, chega a ser ofesiva a recente noção de como uma amizade é tão difícil de semear, brotar e germinar num hospital de uma cidade espraiada por uma catrepázia (que descobri agora deve vir da vulgarização disátrica de cartapácio, colecção de manuscritos) de quilómetros quadrados. As relações no trabalho, ao contrario da Globo e dos boatos, são iguais às outras mas em sentido estritamente profissional: de admiração estritamente profissional, de afectividade estritamente profissional, de carinho estritamento profissional, de desejo estritamente profissional, de reconhecimento estritamente profissional e há relações que chegam mesmo à penetração selvagem e desbragada preambulada por vezes pelo belo do broche intergalático com chantilly estritamente profissional. Coda final, pausa em suspenso, findo o arpejo.

PS: A aferir que quem falou não fui eu, mas sim a minha tônsila resteliana, ontem fui malhar umas copázias valentes com a minha tutora quarentona de Medicina Interna. Foi uma noitada estritamente profissional, mas a cachaça bateu à mesma.