No outro dia que nao o de ontem mas o anterior, estando eu prazenteiramente numa das salas estilo-francěs de início de século XX do
tout-glamour Café Louvre, degustando um espumoso cappuccino em chávena de boca larga irmanada por uma insuspeita (estima nacional!) água gaseificada, aposto forte em Dobra Voda Perlivá de garrafa 5 litros verde, num copo XS transparente "made in Russia" número 31 na base, dizia eu, estando eu a ver o tempo passar lá fora, sentado numa mesa para quatro deste primeiro andar sobre a movimentada Narodní Třida, nao muito longe do Teatro Nacional e perigosamente perto do cheiro a óleo requeimado que escapa dos stands de Kobličkova´s, Smažený Syr´s (Smažené Syry, arrisco agora no plural checo) e outras frituras junto ao Tesco, ia eu dizendo, o tempo escorria em cachoeira do outro lado da janela, do lado dos trilhos dos day-trams 6, 9, 10, 18, 21, 22 e 23, mas mergulhando aqui languido na espuma do cappuccino primorosamente tirado por um anónimo, por certo impecavelmente trajado, deste Café Louvre, čislo 22, Narodní Třida (Avenida Nacional). Falava eu a propósito de um tempo fugidio que me era tao caro, ia claustrofobicamente apertando esse mesmo tempo para elevadas obrigacoes de terminar uma semsaborona apresentacao sobre terapias analgésicas, anti-inflamatórios nao-esteróides, diclofenacs, morfinas e heroínas, foi tempo ainda do lado de cá da janela de vidro duplo sobre o 22 que nesse momento talvez passasse em anúncios de próxima paragem (přiští zastafka: Narodní Divadlo), dizia, nesse tempo frouxo e sensual, mergulhado em misturas de café espresso, leite vaporizado e sua respectiva espuma, a precisar, um terco exacto de cada parte, dava eu uma das primeiras goladas e quem nao enxergam estes dois olhos, adiantadamente prometidos á terra e gastos de letras e raios ultra-violeta, quem é senao, Vacláv Havel, primeiro presidente da vetusta Checoslováquia pós-Revolucao de Veludo, escritor, dramaturgo e herói nacional. Também "um dos homens que mudou o mundo" terei dito eu a quem entao me acompanhava, porventura em excessos de emocao e catecolaminas...