domingo, março 25, 2007

Díptico da Amizade - Parte II: O Adeus

Tudo tem um fim. E foi agora nesta estaca que assinala o meio do ano lectivo que se teve o primeiro e forte contacto com a inevitabilidade de que, repito, tudo tem um fim. Porque de nós, há aqueles também que as contingěncias do papel e dos acordos, obrigaram a dizer-nos adeus para as suas terras, quando íamos no melhor de tudo. Foi um vapor acre de um dia antecipado, a visao externa daquilo que ainda havemos de ser nós. Oh, mas é também a certeza de que nao houve um momento único sem mérito ou préstimo, de que valeu a pena vir cá para conhecer de perto o nó em que as nossas casuais vidas se resolveram entrelacar, e daqui seguirem os seus obstinados rumos em distancias de algodao. E isso é alegre e comovente.

sexta-feira, março 23, 2007

Interlúdio

No outro dia que nao o de ontem mas o anterior, estando eu prazenteiramente numa das salas estilo-francěs de início de século XX do tout-glamour Café Louvre, degustando um espumoso cappuccino em chávena de boca larga irmanada por uma insuspeita (estima nacional!) água gaseificada, aposto forte em Dobra Voda Perlivá de garrafa 5 litros verde, num copo XS transparente "made in Russia" número 31 na base, dizia eu, estando eu a ver o tempo passar lá fora, sentado numa mesa para quatro deste primeiro andar sobre a movimentada Narodní Třida, nao muito longe do Teatro Nacional e perigosamente perto do cheiro a óleo requeimado que escapa dos stands de Kobličkova´s, Smažený Syr´s (Smažené Syry, arrisco agora no plural checo) e outras frituras junto ao Tesco, ia eu dizendo, o tempo escorria em cachoeira do outro lado da janela, do lado dos trilhos dos day-trams 6, 9, 10, 18, 21, 22 e 23, mas mergulhando aqui languido na espuma do cappuccino primorosamente tirado por um anónimo, por certo impecavelmente trajado, deste Café Louvre, čislo 22, Narodní Třida (Avenida Nacional). Falava eu a propósito de um tempo fugidio que me era tao caro, ia claustrofobicamente apertando esse mesmo tempo para elevadas obrigacoes de terminar uma semsaborona apresentacao sobre terapias analgésicas, anti-inflamatórios nao-esteróides, diclofenacs, morfinas e heroínas, foi tempo ainda do lado de cá da janela de vidro duplo sobre o 22 que nesse momento talvez passasse em anúncios de próxima paragem (přiští zastafka: Narodní Divadlo), dizia, nesse tempo frouxo e sensual, mergulhado em misturas de café espresso, leite vaporizado e sua respectiva espuma, a precisar, um terco exacto de cada parte, dava eu uma das primeiras goladas e quem nao enxergam estes dois olhos, adiantadamente prometidos á terra e gastos de letras e raios ultra-violeta, quem é senao, Vacláv Havel, primeiro presidente da vetusta Checoslováquia pós-Revolucao de Veludo, escritor, dramaturgo e herói nacional. Também "um dos homens que mudou o mundo" terei dito eu a quem entao me acompanhava, porventura em excessos de emocao e catecolaminas...

sábado, março 17, 2007

Díptico da Amizade - Parte I: O Reecontro

Antecipo desde já futuras ilacoes, sim, é sobre a tábua da redundancia que escrevo o que escrevo. Mas para mim nunca é bastante falar de como é bom receber amigos, de como foi bom abracar o Joao e o André depois de tantos meses, de nos sentarmos á mesa do proverbial Oka e fazermos durar palavras de experiěncias várias, como sempre molhadas em Staropramen dvanacka, terem a oportunidade de conhecer os meus amigos de cá, eu conhecer os deles e imaginar como tudo teria sido tao diferente se acaso houvesse que nos levasse a outra cidade, se por descuido ou outra extravagancia que tal, a ideia de partir para Erasmus nao tivesse acostado no nosso porto das vontades. Depois houve a Gosia a comer as orelhas do coelho, as orelhas do coelho a voltarem para a Gosia, a Brigitte a chegar permanentemente embriagada a casa, a Flora que "julga ser muito interessante", o Arthur a querer "foder á cao" e outros caprichos. Houve também o Joao quase a tirar-me do guarda-roupa que por direito me pertencia para que eu, veja-se lá, dormisse na cama, o André a desligar a tomada do nosso frigorífico durante a noite e a promessa de uma guerra de bolos com marmelada para vir. Houve questoes a entidades ocultas, nomes indeclináveis, USBečkos, idas a Dresdren em descapotáveis (uma vez mais, com direito a multa), bananas esmagadas na ponta, sumos de maca, Rosas Palmeiroes, Leonízias, Karlas Marxas e Winstonas Churchillas, maos na Anka, Pana Beanas, Maes, houve ovás e panáškos, Joanas e muito mais... Tudo isto numa semana é obra. Notável e grandioso.

domingo, março 04, 2007

(...)

Sem mais que entusiasme a alma, resolvi-me a estalar o silěncio que aqui reina com mais um vazio somatório de palavras. Por cá estuda-se (ou finge-se que), anseia-se a vinda do Joao Nuno e Cluster e vai-se ao cinema, festas de abertura, outras de despedida, café, panquecas, internet e trivialidades... Cheguei a um ponto em que de tao pouco fazer, dói e arde fazer o esforco de um exame. E tenho, por isso, vivido ultimamente na indecisao constante entre desejar uma religiosa vida de trabalho, valor e proficuidade ou pura e simplesmente uma existěncia hedonista de volúpia e passatempos. Custa optar por uma, custa também escolher-se o meio e ser sugado para um dos extremos, custa nao poder ser racional e cumprir a racionalidade de dividir o tempo em duas forcas de igualdade numérica e de importancia. Mas diz que há coisas piores lá para os lados do deserto, tipo, fome e sede...